sábado, 13 de fevereiro de 2010

Um Olhar do Paraíso*



“Eu acredito em Deus”

Um Olhar do Paraíso (The Lovely Bones – EUA/ Inglaterra/ Nova Zelândia, 2009), de Peter Jackson (trilogia do Senhor dos Anéis, King Kong), é um dos poucos casos em que um orçamento gigantesco se combina com um perceptível algo a dizer. E ainda que esse algo a dizer seja uma mistura desequilibrada entre prosa e poesia (de qualidades discutíveis), existem momentos que a combinação de ambas apresenta características pessoais e um certo domínio de linguagem – e isso é sempre bom.

Susie Salmon (Saoirse Ronan, expressiva) é uma adolescente assassinada aos 14 anos e que, do céu, assiste a tudo que acontece com quem ela se relacionou, os seus lovely bones – os “ossos amáveis”, numa tradução literal e pouco sonora. Nesse assistir, ela oscila entre o comentar impotente e a narração reflexiva e influente. Como em Crepúsculo dos Deuses (1950), essa narração é feita por alguém que já morreu, mas o uso do artifício do clássico de Billy Wilder, sem contar o fato de o filme se passar na década de 70, não é o único ponto que nos remete ao passado.

Peter Jackson consegue o absurdo de fazer uma criança, no além, escolher para si o nome de Holly Golightly – a Bonequinha de Luxo (1961) encarnada por Audrey Hepburn em uma das personagens mais encantadoramente fúteis do cinema. De Hitchcock ele parece buscar a inspiração para desenhar um vilão convincente e que, graças à montagem paralela e perseguição agonizante próxima ao fim, faz o espectador sofrer um bocado dentro (e talvez se esconder) da cena – num ponto alto do domínio estilístico.

Não dá para dizer, contudo, que Um Olhar do Paraíso é um filme vintage ou um balaio de referências. Peter Jackson abusa de enquadramentos que vão de clássicos planos em 35mm à subjetiva do porão de uma casa em miniatura (!) – filmada, como outras tomadas, por uma câmera digital. De quebra, ele ainda se utiliza de um visual agraciado não só pelo orçamento generoso mas também pelos efeitos possíveis – em escala e precisão – somente nos dias de hoje.

A cena que mescla os barcos em miniatura com os vistos pela filha, as “aparições” e as sensações dela, que vão das amargas mãos atadas ao maravilhoso da intervenção divina, são pontos altos do filme no seu caráter mais poético. Poesia essa que, fabulária como vem, contribui para uma coerente visão ultra-otimista da justiça (que “tarda, mas não falha”) e da felicidade pessoal – também pós-vida terrena. O que se por um lado é ingênuo (já que mostra uma certeza de uma ordem superior, certeza essa que nenhum humano vivo pode ter), é também carinhoso o suficiente para deixar a voz do moralismo menor que a da fábula e do cinema fantástico.

Visto, em cabine de imprensa, no Multiplex Iguatemi – Salvador, fevereiro de 2010.

Um Olhar do Paraíso (The Lovely Bones – EUA/ Inglaterra/ Nova Zelândia, 2009)
Direção: Peter Jackson
Elenco: Mark Wahlberg, Saoirse Ronan, Rachel Weisz, Stanley Tucci
Duração: 135min
Projeção: 2.35:1

8mm
Invictus
Invictus (2009), de Clint Eastwood, passa basicamente duas impressões contraditórias. A primeira é de que Clint (não sei chamá-lo de Eastwood, perdão) há tempos não dá uma escorregada tão feia, e a segunda de que, apesar dos deslizes irreconhecíveis (cenas parecem realmente mal filmadas), existe ali alguém capaz de, apesar do material predominantemente simplório, trazer algo de bom – um toque de classe. Como na cena de abertura.
Todavia, é bom lembrar que em outros filmes dele (como Gran Torino e Menina de Ouro, para se restringir somente a essa década), tem-se não a suspeita, mas a certeza quase absoluta de que ninguém mais faria melhor com o que tinha em mãos. O que não parece ser o caso aqui. Infelizmente.

Cabines
Eu falei que, a princípio, não participaria mais de cabines de imprensa – e fui pra uma três dias depois. Ou seja – o que vocês já deveriam saber: não peguem nada do que escrevo como verdade definitiva. Por favor.

Filmes da semana:
1. Guerra ao Terror (2009), de Kathryn Bigelow (Multiplex Iguatemi) (***)
2. Invictus (2009), de Clint Eastwood (Cinemark) (**1/2)
3. Sweet Sixteen (2002), de Ken Loach (DVDRip) (**1/2)
4. Sexy Beast (2000), de Jonathan Glazer (DVDRip) (***)
5. Preciosa (2009), de Lee Daniels (Cabine de imprensa – Multiplex Iguatemi) (*1/2)
6. Um Olhar do Paraíso (2009), de Peter Jackson (Cabine de imprensa – Multiplex Iguatemi) (***)
7. Baile Perfumado (1997), de Paulo Caldas e Lírio Ferreira (VHSRip) (***1/2)
8. Persona (1966), de Ingmar Bergman (DVD) (*****)
9. O que Resta do Tempo (2009), de Elia Suleiman (Pré-estreia – Cine Vivo) (***)
10. Estrada Perdida (1997), de David Lynch (DVDRip) (***1/2)

* Coluna 70mm também publicada no http://www.pimentanamuqueca.com.br/.

2 comentários:

Saul disse...

Eu bem imaginava que não devia ser algo tão ruim uanto a crítica preconizava, vindo de quem dirige tão bem na linha do cinema fantástico. Com a sua crítica, volto a sentir dignidade em querer ver esse filme e confio que vai valer a pena!

Leandro Afonso Guimarães disse...

E nada como o BAD TASTE (1987) pra ver uma boa brincadeira ultrajante.