sábado, 18 de julho de 2009

Austrália*



Épice de silicone

Com cada vez mais força e como pouca gente hoje em dia com a mesma intensidade, Baz Luhrmann tenta promover o kitsch em seu estado puro – se é que isso é possível. Ele o defende de forma tão escancarada que, a depender do humor e da rigidez de quem o veja, seu estilo pode perfeitamente ser classificado como o mais límpido brega. Verdade que esse abraço a todo tipo de excesso e de referência teve um momento poderoso em Moulin Rouge (2001), no qual sua falta de sutileza casou perfeitamente com sua obsessão barroca. Mas também é verdade que em Austrália (Australia – Austrália/ EUA, 2008), apenas seu quarto (e mais recente) filme em 16 anos de carreira, o perfeccionista Luhrmann (também do Romeu e Julieta de 1996) consegue a façanha de se repetir à exaustão na forma e, mesmo assim, alcançar um resultado que parece filtrar o que ele tem de pior como cineasta.

Estão lá, em maior ou menor quantidade, todos os recursos fáceis que o caracterizam. O ritmo predominantemente publicitário, muitas cores (ainda mais saturadas pelas próprias locações), muita música (às vezes a grifar o que já está em letras garrafais), a emoção de plástico entre estrelas (Hugh Jackman e Nicole Kidman) e, mais especificamente nesse caso, um abuso pouco antes visto de câmera lenta – para aumentar um (melo)drama que nunca convence pelo modo como é mostrado na tela.

Batem ponto também, por outro lado, suas pretensões de mesclar e referenciar diretamente gêneros para então tentar “revolucioná-los”. Se em Moulin Rouge ele fez um eclético apanhado da música pop (principalmente da segunda metade) do século XX e o transformou num todo único e funcional dentro do filme, aqui ele trabalha com uma trilha original cujo maior elogio é ser chamada de genérica. Somewhere Over The Rainbow e O Mágico de Oz não conseguem se firmar como algo além da citação, caso idêntico ao trinômio gaita/morte/família, que remete especialmente a Era Uma Vez no Oeste, de Sergio Leone.

Parte dessa ineficiência do filme talvez decorra do fato de ele ser, em boa parte de sua ainda mais generosa duração, um institucional. Austrália tem um final que defende não só seu valor documental como a miscigenação e um respeito à pluralidade no país. Graças a esse tom, fica a triste impressão de que Luhrmann (induzido ou não) deixou uma preocupação social falar mais alto que sua própria voz, geralmente pouco interessada em qualquer tipo de engajamento. E essa sua voz, por mais que tenha a beleza de seu timbre questionada, ainda é mais interessante que o teor panfletário da história australiana tratada com uma nada discreta superficialidade.

O resultado final mostra também que Baz Luhrmann, curiosa e infelizmente, se aproxima muito menos de uma maior presunção criativa – recicladora, copiadora, abobalhada, como preferir – do que de um piloto automático hiper-ativo. Se antes ele parecia atrair (e pecar) justamente por um certo tipo de desgoverno, aqui ele se arrisca menos audiovisualmente e, quando o faz, se perde em meio a concessões mais fortes. A conseqüência disso é um produto artificial, grande e vistoso. Com todos os sinais, portanto, de um épico. De silicone.

Filme: Austrália (Australia – Austrália/ EUA, 2008)
Direção: Baz Luhrmann
Elenco: Hugh Jackman, Nicole Kidman, Brandon Walters
Duração: 165 minutos

8mm
2020

É impressionante como, em alguns momentos, eu poderia apostar que via na tela o mesmo Baz Luhrmann de Moulin Rouge (para mim, o seu melhor de longe) – e, como juiz da sorte, perderia. O final, por exemplo, é uma versão 2.8 do mesmo Richard Roxburgh, The duke, a correr e gritar “My ending!” – antes de receber um murro. Mas, bom reiterar, não é.
Agora, por incrível que alguns possam considerar, ainda acho que Moulin Rouge será um filme que, analisado daqui a 10 anos, vai levar alguém a dizer: “ele tem todas as afetações que marcaram essa doença publicitária no cinema dos anos 2000, mas é realmente muito bom”. Espero, contudo, que não seja o bloco do eu sozinho.

Filmes da semana:
1. Ana e os Lobos (1973), de Carlos Saura
2. O Pornógrafo (2001), de Bertrand Bonello
3. Os Incompreendidos (1959), de François Truffaut
4. Austrália (2008), de Baz Luhrmann
5. Extermínio (2002), de Danny Boyle
6. O Chicote e o Corpo (1963), de Mario Bava
7. The Industrial Symphony n.º 1: The Dream of the Brokenhearted (1990), de David Lynch (média)

* Coluna 70mm também publicada no http://www.pimentanamuqueca.com.br/.

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