domingo, 12 de fevereiro de 2012

A força dos "chatos"*

Rever Na Cidade de Sylvia (2007) e Brown Bunny (2003) na mesma semana me fez pensar sobre filmes “chatos”.

No primeiro, temos basicamente um homem olhando mulheres em busca de apenas uma, no outro acompanhamos um motoqueiro que pouco corre. Nos dois casos, a ação é pouca, fala-se menos ainda.

O que eles fazem, entre outras coisas, é usar o que o cinema tem mais de exclusivo (a imagem por uma câmera) para criar uma sensação dificilmente atingida se a hipotética monotonia fosse diminuída, se o filme fosse reduzido a um média-metragem.

Graças à meia-hora de olhares, me parece inevitável a angústia quando o personagem principal se perde em Na Cidade de Sylvia, me parece impossível não crer na sua tendência voyeur, na miragem que ele enxerga mais adiante. Isso para não falar no tesão que José Luis Guerín tem pela câmera e pelas mulheres, contagiante para quem simpatize com a beleza que as duas podem mostrar.

Falando nelas, em Brown Bunny temos o famigerado explícito sexo oral. Mas ele vem após Bud Clay (Vincent Gallo, diretor, protagonista e na época namorado da atriz Chloë Sevigny) pouco fazer além de transbordar melancolia e carência. É redundante, sim. Mas como tornar um sexo explícito em algo realmente invulgar e aflitivo, sem mostrar tudo que o precede, toda depressão presente naquele quarto?

Desconfio que, depois de ver Brown Bunny, a primeira transa de muitos soe triste. Nenhuma decepção verdadeira dura cinco ou dez minutos e é esquecida. Dessas todo mundo deve ter diariamente. Uma angústia como a de The Brown Bunny, não.

Da mesma maneira, o rosto de uma mulher pode ter força o suficiente para levar à alucinação. Mesmo em um voyeur, ou principalmente nele, que se resume a olhar outras tantas que são iguais a ela só até certo ponto.

Quatro anos se passaram, a figura dela não. A vida segue, mas a imagem e a lembrança ficam. Ah, se toda chatice fosse assim...

* Coluna originalmente publicada aqui.

2 comentários:

ANTONIO NAHUD disse...

Achei "Brown Bunny" insuportável...

Cumprimentos cinéfilos e apareça!

O Falcão Maltês

Rafael Carvalho disse...

Adoro os dois filmes, e acho que se confunde muito chatice com narrativa lenta ou com a que "nada acontece" (sempre acontece alguma coisa, um personagem observando várias mulher é um acontecimento). Mas a força não está no acontecimento em si, mas no interesse que o diretor faz nutrir por esses acontecimentos mínimos, discretos, quase imperceptíveis. É o caso de ambos os filmes.