sábado, 6 de março de 2010

Zumbilândia*





Auto-conhecimento


Zumbilândia
(Zombieland – EUA, 2009), de Ruben Fleischer, é uma adorável brincadeira sobre fazer um tipo de filme – o de zumbis americanos – fadado ao aparente esgotamento, e ter consciência disso. É saber da inevitabilidade de a que e a quem recorrer, mas – até para “justificar” a própria existência do filme – entregar um resultado com cara própria.

Cara essa que vem desde a apresentação dos créditos, ao som de Metallica e a sua For Whom The Bell Tolls, acompanhada por imagens em câmera lenta, dando um caráter estilizado e escancaradamente lúdico ao filme. Com esse cartão de visitas, Fleischer já deixa claro que o investimento é menos na crítica (embora ela exista) característica de George A. Romero (Noite dos Mortos Vivos, Diário dos Mortos) que no deslavado entretenimento pessoal.

No resto do filme, é perceptível – ou no mínimo deduzível – que ele se divertiu pacas em cada cena. Seja carregada de morte e de sangue, seja marcada pela construção dos personagens, que vão de absurdo e compreensível maquiavelismo à mais completa estupidez.

Antes de uma crítica ao roteiro e a Fleischer, essa estupidez entra como possível metáfora – o que os melhores filmes de Romero conseguem – para o comportamento do conservador norte-americano diante do mundo. E num mundo, possível apenas no gênero, cujo norte está no desejo de se divertir ao se filmar sangue e ao se preencher de peso a trilha sonora, no que remete – mais até do que a Romero – a Rob Zombie (das versões mais recentes de de Halloween e Halloween II).

Essa diversão ao se filmar e dirigir atores em diálogos pretensamente espertos, aliados a efeitos visuais claramente contemporâneos (para não dizer nati-mortos com destaque para a data), faz lembrar Guy Ritchie em edição melhorada. O que, se por um lado está longe de ser um elogio, por outro mostra que um diretor pode estar claramente atrelado ao seu tempo e aos vícios ligados a ele, mas ainda assim ter algo de genuíno dentro da massa amorfa: se nem tanto em o quê dizer, pelo menos em como dizer.

Ainda que tenha uma às vezes exagerada vontade de ser cool, Zumbilândia demonstra muito auto-conhecimento. Ciente de seus limites, expostos tanto na (falta de) pretensão como no próprio executar (a estilização e o diferencial vão até onde o talento pode levar), ele funciona como o entretenimento pessoal e sem vergonha que tenta ser.

Visto no Multiplex Iguatemi – Salvador, março de 2010.

Zumbilândia (Zombieland – EUA, 2009)
Direção: Ruben Fleischer
Elenco: Woody Harrelson, Jesse Eisenberg, Emma Stone, Abigail Breslin
Duração: 88min
Projeção: 2.35:1

8mm
A Fita Branca
É difícil falar sobre A Fita Branca (2009), que deve ganhar o Oscar de melhor filme estrangeiro no domingo (7). Como tudo de Michael Haneke, tem momentos brilhantes e cenas que devem se tornar indeléveis, mas não dá a certeza – o que provavelmente nem ele queira – de ser bom. Também como tudo dele, embora particularmente fique sempre com muita vontade de ler sobre, o desejo de revê-lo dentro de uma década é quase nulo. Ou seja, A Fita Branca, como as coisas Hanekianas funcionam para mim, é um filme que instiga e afasta com a mesma intensidade.
Ps: Filme cresce ao se pensar nele.

Resnais
Com um atraso monumental, vi o igualmente monumental (embora claudicante antes de engatar de vez na última meia-hora) Medos Privados em Lugares Públicos (2006), de Alan Resnais. Como alguém pode envelhecer fazendo filmes como esse e Ervas Daninhas (2009)? Não lembro quem disse (pensei ter sido André Setaro, mas não encontrei no blog dele a afirmação), mas alguém disse que Resnais era, possivelmente, o maior cineasta vivo. Talvez não seja, mas isso pouco importa. Sendo ou não, ele é alguém cujo talento perceptível se junta à vivacidade de um jovem no auge de sua forma – aos 87 anos.

Filmes da semana:
1. Sexy e Marginal (1972), de Martin Scorsese (DVDRip) (**1/2)
2. Zumbilândia (2009) (Multiplex Iguatemi) (***)
3. Encontros e Desencontros (2003), de Sofia Coppola (DVD) (****)
4. Linha de Passe (2008), de Walter Salles e Daniela Thomas (DVDRip) (**1/2)
5. Medos Privados em Lugares Públicos (2006), de Alan Resnais (DVDRip) (***1/2)
6. Aconteceu em Woodstock (2009), de Ang Lee (Cine Vivo) (**)
7. Valsas de Viena (1934), de Alfred Hitchcock (DVDRip) (***)
8. A Fita Branca (2009), de Michael Haneke (Cine Vivo) (***)
9. Filme de Amor (2003), de Julio Bressane (DVDRip) (**1/2)
Curta:
1. Cinema Novo (1967), de Joaquim Pedro de Andrade (DVDRip) (***)

* Coluna 70mm também publicada no www.pimentanamuqueca.com.br.

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