sábado, 13 de março de 2010

Ilha do Medo*



O triste fim da agonia

Desde a apresentação do logo da Paramount em Ilha do Medo (Shutter Island – EUA, 2010), embora flerte com o clichê, a soturna trilha sonora se distancia o suficiente do óbvio para trazer uma convincente agonia que parece não ter fim. E apesar do roteiro ser tão pouco crível (a ponto de nem se encaixar com a certa dose de exagero proposta), Ilha do Medo é também, enquanto combinação de som e imagem, um dos resultados mais potentes obtidos por Scorsese nos últimos anos – ainda que essa mesma potência termine por escancarar os contras do filme.

A paranoia – e praticamente tudo ligado a ela, o que não é pouca coisa – é sentida por Teddy Daniels (Di Caprio soberbo), detetive cujo passado tem o hábito de atormentá-lo, desde a passagem pela guerra a problemas familiares. Essas sequências são mostradas em cenas com expressividade e (em alguns casos) estilização que se juntam a uma leveza para a criação de uma forte empatia com o atormentado Daniels. Obcecado por questões obscuras não só no seu passado como na inóspita, hostil e aterrorizante ilha-manicômio onde se encontra, ele mergulha cada vez mais em um mundo cheio de perguntas sem resposta.

O porém é quando essas perguntas, e outras que não eram feitas, ganham resposta – não li o livro e não sabia da reviravolta. É inevitável lembrar de detalhes e momentos marcantes do filme que, quando colocados juntos à sua mudança de rumo, fazem essa virada tão surpreendente quanto tola. Assim como boa parte da penúltima cena, que investe um bom tempo em uma explicação – quase tão irritante quanto detalhada – do que aconteceu. O fim da tensão aflitiva é a queda de um precipício de qualidade, é o término do que o filme tem de excelente.

É natural pensar que muito do que incomoda em Ilha do Medo vem justamente do poder de Scorsese em potencializar esse contraste. O brilhantismo na construção da atmosfera ressalta o esquematismo e a confusão do (mesmo assim interessante) roteiro. O que se nos deixa a sensação de ainda estarmos diante de um mestre (há algum tempo) no apogeu de seus domínios, também nos deixa a certeza de que ele já escolheu – ou escreveu – filmes mais bem resolvidos.

Visto em cabine de imprensa no Multiplex Iguatemi– Salvador, março de 2010.

Ilha do Medo (Shutter Island – EUA, 2010)
Direção: Martin Scorsese
Elenco: Leonardo di Caprio, Mark Ruffalo, Bem Kingsley, Max Von Sydow, Michelle Williams, Emily Mortimer
Duração: 138 minutos
Projeção: 2.35:1

8mm
Mãe – A busca pela verdade
Em Mãe – A busca pela verdade (Madeo – Coréia do Sul, 2009), de Joon-ho Bong, tudo é bem calculado, o mistério é cuidadosamente mantido, e o final é algo surpreendente. Sua mecânica, contudo, varia entre o completo domínio do meio e do público (é provável que em mais de uma vez você acredite estar certo quando não está), e uma necessidade – que me incomodou – de justificar a inserção de cada mínimo detalhe, de se assumir milimetricamente dominador e excessivo, pela potencialização da reviravolta. O que ele já tinha sido em O Hospedeiro (2006), é verdade, mas (talvez pelo fato de se tratar de um filme de gênero), o “deixar claro que tenho o controle”, pelo menos ali, parecia fluir mais naturalmente. Ainda assim, também como em O Hospedeiro, estamos diante de um entretenimento de altíssimo nível. Agora com um filme cujo gênero é menor que a mensagem. Aqui, ele faz uma defesa da cegueira do amor – e do viver bem isso. Bonito.

Filmes da semana:
1. O Medo do Goleiro diante do Pênalti (1972), de Wim Wenders (VHSRip) (**1/2)
2. Separações (2002), de Domingos de Oliveira (DVDRip) (***)
3. Mãe – A Busca Pela Verdade (2009), de Joon-ho Bong (Cinema da Ufba) (***1/2)
4. A Faca na Água (1962), de Roman Polanski (DVDRip) (***)
5. Intriga Internacional (1959), de Alfred Hitchcock (DVDRip) (****)
6. Ilha do Medo (2010), de Martin Scorsese (Cabine de imprensa – Multiplex Iguatemi) (***1/2)
7. A Câmara da Morte (2007), de Alfred Lot (DVDRip) (**1/2)
8. Onde Vivem os Monstros (2009), de Spike Jonze (Cinema do Museu) (***)
9. Quanto Dura o Amor (2009), de Roberto Moreira (Cinemark) (***)

* Couna 70mm também publicada no www.pimentanamuqueca.com.br.

5 comentários:

heron disse...

yeah, scorsese rules! incrível como ela faz todo mundo se afundar na poltrona, mesmo que, na tela, não esteja acontecendo nada verdadeiramente importante - aliás, nada acontece. nem a ilha é importante, já que todo o filme se resolve ou nas bordas, no penhasco, ou até fora dela, naquele farol. já o dicaprio, acho ele um mala... aliás, achei todo o elenco muito fraquinho, mas e daí né, o cenário e a música são tão assustadores que são eles mesmos os grandes astros.

Leandro Afonso Guimarães disse...

Em mais de uma cena, pela força da imagem, lembrei de VÁ E VEJA e O ILUMINADO. Pode-se dizer que ele emulou clássicos dos anos 40 e 50, mas o filme é de alguém que sabe de tudo que tá fazendo, e, nas imagens oníricas, indo um pouco além do que ele próprio costuma ir - algo semelhante, dele, só lembro de QUEM BATE À MINHA PORTA. Seja como for, os momentos Lynch temperados pelo gênero me agradaram um bocado.

Genny Xavier disse...

Querido Leandro,
Como sempre, seus escritos nos fazem degustar o amargo e o doce das produções da telona...enfim, cinema é cinema, as pessoas amam ou odeiam...ainda bem que eu amo, tanto quanto amo suas visões e devaneios cinematográficos. Saudades você.
Beijocas,
Genny Xavier

P.S. Poderia colocar o item "seguidores" no teu blog, assim fica melhor pra gente acompanhar as novas postagens. Apareça no "Baú".

Rafael Carvalho disse...

De fato, nem mesmo o grandioso trabalho de direção do Scorsese consegue enconder o que o roteiro tem de clichê e rasteiro, principalmente em sua reviravolta final, que à primeira vista é tão tola, mas que é tratada com muito respeito. Mas o mais incrível é como ele mantém toda a história bem amarrada, e com bastante segurança. E Leonardo Di Caprio, mais uma vez ao lado do mestre, mostra o grande ator que consegue ser.

Mother é uma das melhores coisas do ano, com certeza. O filme pode até soar calculado em alguns momentos, mas a força da trajetória de sua protagonista é forte e sincera demais. Cenas inicial e final são uma delícia.

Cinzas e Diamantes disse...

DiCaprio está cada vez melhor e Scorsese é um mestre...