sábado, 19 de maio de 2012

Dor e delícia maiores que gueto*


Paraísos Artificiais (Brasil, 2012), estreia de Marcos Padro (Estamira) na ficção, não me parece um filme sobre raves, sobre drogas, ou sobre drogas na juventude, mas um belo retrato de sentimentos, que não se limitam àquele gueto.

A música e o mundo das raves são um universo formado por pessoas que, como em qualquer outro, sentem prazer e dor. Nem todo mérito nem toda culpa é do que eles tomam. Entre Amsterdã, o nordeste e o Rio, vemos ácido e ecstasy, fogo e búfalos, nudez e sexo; mas vemos também apego, desejo, decepções e arrependimentos.

Vemos sentimentos porque Prado investe no visual como o meio para transmiti-los, no que corre o risco de usar uma maquiagem que se afasta da alma daquelas pessoas. Mas Nando (Luca Bianchi) e principalmente Érika (Nathalia Dill, espetacular) vivem o que não soa como uma coleção de imagens distantes e narcisistas (fotografia de Lula Carvalho), mas uma vida.

Já o coroa boa praça (Mark, interpretado por Roney Villela) dá um tom que mistura o humor e a caricatura do sequelado. É um respiro e um parêntese, quando divagações sobre o mundo e o lidar com ele não têm a mesma força da abordagem que Prado dá às relações. Entre idas e vindas que funcionam, pode-se dizer ainda que algumas pistas do roteiro (“Vou te falar algo... não, não, deixe pra lá...”) não têm a mesma naturalidade e fluência do todo, mas nada estraga sua base forte.

As raves e as drogas são apenas o pano de fundo para a dor e a delícia da vida, o que inclui perdas. Uma equipe competente ajuda Prado a conseguir um resultado bonito.

* Coluna originalmente publicada aqui.

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