quarta-feira, 19 de março de 2008

De Olhos Bem Fechados



Suspense doentio-sexual

De Olhos Bem Fechados (Eyes Wide Shut, EUA, 1999), o último filme de Stanley Kubrick, é admirado e amado por alguns, mas renegado por outros, que argumentam ser um dos piores, se não o pior filme do cineasta. Pra mim, EWS (abreviação em inglês para o nome original – o que vou usar no decorrer do texto) funciona da seguinte maneira: uma obra-prima que tem os poucos defeitos encobertos pela sua capacidade de funcionar como uma coisa completamente viciante e que ganha um novo significado a cada revisão. É provavelmente o filme que mais revi nos últimos doze meses: acho que foram cinco vezes.

Para começar, vou falar do pouco que me incomoda, até porque não vi como encaixar isso lá embaixo. Em alguns diálogos, você se pergunta cadê a lógica pra se levar àquela situação, enquanto que em outros você quer saber onde se escondeu a inteligência ou o mínimo de bom senso dos personagens; se isso não irrita, também não convence como esperado. Por outro lado, é algo relevável. Primeiro, pelo ritmo e pelas atuações do filme, que têm o toque peculiar e assumidamente não tão natural de Kubrick. Segundo porque, numa conversa onde não há espaço para se pensar muito, algumas vezes não se diz o que você diria se tivesse mais tempo para refletir. Especialmente no caso específico da conversa a base de maconha, que embaralha tudo.

Indo então à parte positiva, o que acho mais fantástico em EWS é o fato de ele transformar ações e conversas teoricamente banais em atos e diálogos que dizem muito sobre o relacionamento (e a sociedade) em questão, que, por n motivos, pode ser semelhante ao de muitos que assistem ao filme. Sim, isso aqui pode funcionar como um espelho pra lá de desagradável. Seja pra você, pra alguém que você conhece ou mesmo para o seu relacionamento com namorada(o)/esposa(o).

Em um espelho, aliás, temos uma cena teoricamente simples mas que já diz muito sobre o casal – o médico Bill Harford e sua esposa Alice (Tom Cruise e Nicole Kidman, ainda casados na época e ótimos em seus respectivos papéis). Bill responde a uma pergunta de sua mulher da maneira mais mecânica e insossa possível, isso segundos depois da imagem de abertura do filme, que já é representativa quando mostra uma Nicole Kidman se despindo como quem vive um tédio irritante.

Do banheiro e do momento mecânico eles partem para uma festa, da festa para casa. Chega o dia seguinte, mostrado como um dia qualquer. Isso até o momento que eles decidem fumar um pouquinho de maconha pra trocar uma idéia, num ritual aparentemente comum para ambos. Aí então os acontecimentos da festa no dia anterior se juntam ao desenrolar da conversa dos dois chapados e, após essa introdução, têm-se de fato o começo de uma jornada psicossexual. Ou mais até sociológica-sexual.

Temos aqui um jogo, de causa e conseqüência, de mudança de hábito e de idéias em decorrência do ambiente e das circunstâncias: um breve e escroto estudo sociológico do casal. É uma jornada de terror, com os extremos de prazer e frustração do sonho e da realidade, do poder, da comodidade e da liberdade. E da falta de tudo isso.

É notável também que, da menina ao dono da loja, passando pelo recepcionista do hotel, sempre existe a ligação com o sexo. Muitas vezes uma ligação puramente humana, mas em outras até doentia. Vai-se do sutil flerte ao sexo completamente impessoal – para não dizer animal. Tudo isso com um tom que, embora surreal e um tanto medonho, mostra situações que podem ser próximas e semelhantes à de qualquer um.

Falar mais é cortar o barato de quem ainda não assistiu. De qualquer jeito, esteja preparado para a famigerada seqüência do casarão, onde Kubrick despeja toda sua megalomania. Nas cenas que ali acontecem, como em todo o filme, há o ingrediente sexual, a estilização e especialmente o tratamento descomunal do cineasta com os sons e as imagens de seus filmes. Rever EWS significa ter um contato com imagens, músicas e até ruídos que não saem da cabeça. Da cena de abertura à resumida e arrebatadora palavra imperativa final, ambas embaladas pela "Jazz Suite, Waltz 2", de Shostakovich. É pra ficar hipnotizado e boquiaberto. Sempre.

Ps: Eu já tinha desistido de falar sobre isso aqui, até porque é dos filmes de Kubrick mais comentados – e sobre o qual eu mais li. Pouco ou nada do que disse aí é novo (idéias geralmente compartilhadas), mas eu precisava escrever sobre um filme que eu não canso de reassistir. Pronto.

Bom feriadão para todos.

Revisto em DVD – 13 de março de 2008.

3 comentários:

João Daniel disse...

Tarefa espinhosa essa de escrever sobre um filme de Godstan. Eu ainda nem tive coragem,rsrs.

Bom,achei seu texto legal, mas discordei de várias coisas, o que é sempre comum e fascinante em relaçao aos filmes do nosso amado Kubrick.

O que sempre me atraiu nesse aqui foi o visual assumidamente cafona, e o ritmo mais do que estranho, coisa que sempre vi como metáforas sobre o casamento, talvez uma instituição ultrapassada. Também adoro a trama do assassinato e como tudo fica dúbio.

Final muito bom também, e acho que é um equívoco dizer, como muitos o fazem, que sêo Stanley terminou a carreira em baixa. Não senhor!

e pra terminar, "É notável também que, da menina ao dono da loja, passando pelo recepcionista do hotel, sempre existe a ligação com o sexo". Bom,o filme É sexo!

Deu vontade de rever...

João Daniel disse...

Ah,assuma logo que vc queria dar 5 estrelas. Não se reprima.

Leandro Afonso Guimarães disse...

é estranho escrever sobre qualquer coisa de kubrick, especialmente porque isso significa - pela proposta mais contida do blog - ainda assim não falar sobre muito que me impressiona e que alguém já falou. ontem conversando com um psicológo, ele disse que ali tem muito (e talvez até mais do que o resto) também de psicanálise. aliás, algo me diz que vou querer escrever outro texto depois de (enfim!) comprar o "Cinema e Psicanálise: Sonhar de Olhos Abertos".
mas, sim... ontem vi o novo do verhoeven, hoje espero ver bob dylan em suas 7854 vertentes... em breve texto sobre isso...