
Bruto e bizarro... mas fofinho
Coração Selvagem (Wild at Heart, EUA, 1990) é excepcionalmente estranho, mas ao mesmo tempo pra lá de acessível em se tratando de David Lynch. É uma história de amor estilizada como poucas e que prova que tratar com sentimentalismo piegas não é a área de Lynch – o mais próximo que ele chegou disso foi nos excelentes O Homem Elefante (1980) e Uma História Real (1999).
Coração Selvagem (Wild at Heart, EUA, 1990) é excepcionalmente estranho, mas ao mesmo tempo pra lá de acessível em se tratando de David Lynch. É uma história de amor estilizada como poucas e que prova que tratar com sentimentalismo piegas não é a área de Lynch – o mais próximo que ele chegou disso foi nos excelentes O Homem Elefante (1980) e Uma História Real (1999).
Prova do toque autoral de Lynch já está em toda a primeira meia-hora de filme. Depois de uma abertura fenomenal, tem-se uma cena que dá as boas-vindas a quem esperava um filminho bem comportado. A imagem e o som são mal-educados. Falsidade, fedor, ódio, sangue (e amor!), devidamente estilizados, transbordam pela tela.

Daí em diante, o filme dá uma diminuída na energia e no ritmo, mas não no estado onírico e surreal das imagens. Lynch trata de uma espécie de glamourização do fogo, ultra estilizado e com uma beleza só vista por mim em algo semelhante na abertura e em alguns momentos de Apocalypse Now (1979).
Ponderado o fato de que o tipo de história e ela em si podam as excentricidades de Lynch, o “czar do bizarro” usa-as como pode nos personagens. Marieta Fortune (Diane Ladd, que concorreu ao Oscar pelo papel), mãe de Lula (Dern, ótima como sempre), está impagável e assustadora com sua obsessão por laranja e a mente doentia. Mente doentia também dos não menos bizarros Bobby Peru (Willem Dafoe) e o primo Dell (Crispin Glover) com suas baratas. O bizarro com humor dodói.
Ainda assim, o filme é, no começo e no fim das contas, uma história de amor (com toques de Road Movie) e que tem em Lynch o diretor ideal para contá-la da maneira mais estranha possível, o que é ótimo para quebrar a mesmice dos filmes do gênero.
O único porém (relevável) talvez seja a cerca de cinco ou dez minutos do fim, quando um do dois toma uma atitude que contradiz tudo o que eles demonstraram pensar até ali – o que é bem difícil de engolir. Na seqüência, depois de algo até mais esperado, o incoerente dos dois volta a ficar minimamente lúcido e o filme chega ao seu final. Final, o de fato, segundos antes de começarem a subir os créditos, esse sim espetacular e apaixonante.
O deslize, se por um lado muito fake, é compreensível por potencializar o final subseqüente - que talvez não precisasse disso. Mas, com relevação do "problema" ou não, o todo do filme ainda é um deleite de imagens, de sons, de originalidade e de uma bizarrice muito bem vindas.
Visto em DVD – 6 de janeiro de 2008